"Terapia de Choque"

07-09-2010 11:20

 

                Arranca e arrasta-te para a realidade do Mundo. Não a temas, nem a tentes controlar. Aproveita-a e deixa-te ir. Toca-a, mas não a guardes. Penetra-a e abandona-a a teu belo prazer, mas não a guardes. Ao querê-la tua, ela desaparece e isso não é divertido. Goza com ela e sorri, mesmo que ela chore para ti. Brica com ela e fortalece-te, mesmo quando ela demonstre fraqueza e medo. Ignora e continua a fazer-te feliz. Converte-te inconsciente dela e não ligues. Esta é a chave que abre todas as janelas e encerra as portas que só deixam entrar o frio, o vento, a gente. Abre a janela e deixa entrar o sol pela manhã, o som das aves a cantarolar, a brisa suave do Verão e as primeiras gotas da chuva de Primavera, as que regam as flores que habitam no parapeito da tua janela. Através do caixilho envidraçado, o Mundo parece mais pequeno e encantador, e tu, estás aqui protegida. A porta empurra-te contra ele e tu vê-lo real e sem beleza. Cresces e a janela não é ver lá fora, a porta bate-te contra o Mundo e fecha-se. Não penses. Dói pensar e perceber, então brinca, criança, brica e sorri e não desejes saber. Desconsciencializa-te e corre, salta, sê rei e rainha, príncipe e princesa, sê dragão e não te detenhas para olhar. Não pares, apenas sê. Irracional, vive-te e aos outros inconscientes como tu.

                Fios eléctricos atravessam-me e incendeiam. Aprecio. Sabe bem esta vertiginosa energia em mim. Move-me e eu deixo-me ir. Já não sou criança, e somente vejo através das janelas para dentro. Esta força que invadiu e me agitou é artificial, mas sacode-me e eu movo-me. Aproveito-a até me deixe, tão inesperadamente como me atacou. Foi-se e eu permaneci, imóvel como antes. Olhei e continuava no mesmo espaço. Não me movimentei realmente, mas a minha mente imaginou-o e aconteceu. Consciencializei-me e desapareceu. Sou alguém no entretanto. Criança consciente. Mas então, não sou criança, porque a puerilidade não detém consciência. É-o sem saber e por isso é-o. Sou o intermédio entre nada e coisa nenhuma. Não sou o que queria, então o que sou, se não sou o que sou? Não há, mas existo, porque penso, e isso faz-me não querer existir dessa maneira. Mas não há outro modo de existir. Há. Ser criança.